Jorge Ferreira 60 anos, “daqui até a eternidade”.

Brasília, 4 de abril de 2019. Sabe o que se comemora hoje?

Cá estava tentando me concentrar na divulgação na 9ª edição do “Sextos Tributos” que há nove meses movimenta as sextas-feiras do Bar Brahma, na 201 Sul, local que batizei como a varanda mais musical da Asa Sul, em 2013. A ideia do nome veio durante um dos tantos papos com uma das minhas maiores referências no empreendedorismo cultural e diversão de Brasília. À época, discutíamos qual ação promocional faríamos em torno da Copa das Confederações, preparativa para a Copa 2014. Brasília seria uma das cidades a receber os jogos, e nós não perderíamos a oportunidade de marcar um golaço com o público.

Para quem não sabe, nossa aproximação se deu em janeiro de 1991 no Feitiço Mineiro, uma de suas primeiras casas. Fui até ele para negociar uma apresentação do Oficina Blues em uma sexta-feira dos ex-entediantes verões ou férias brasilienses. Não havia dentro do Oficina, um “empresário ou vendedor” oficial. Negociávamos nossas apresentações, às vezes indo todos juntos ou em dupla até o contratante. Afinal, tínhamos tempo, a cidade oferecia espaço e a música explodia em diversos locais em Brasília. Eram os tempos do “caçador de marajás” e era preciso espairecer além dos círculos regados a Logan e Perrier.

Naquele primeiro encontro fui sozinho. Os demais integrantes “não botaram muita fé” na união blues USA com um restaurante dedicado à culinária mineira. Porém, como, literalmente, vivíamos naquela época, exclusivamente, dos cachês noturnos, que diga-se de passagem, rendiam o equivalente a U$120 dólares a cada um dos integrantes do nosso saudoso quarteto. Ou seja, todas as possibilidades eram imperdíveis. Ao chegar, a gerente Rosana, que eu havia conhecido no Public House e agora estava no Feitiço, apresentou-me ao Jorge. Em um primeiro momento, confesso que me intimidei com o tamanho do cara e para piorar as coisas, ao passar uma cheirosa pururuca por nós, perguntei ao meu estilo assim “o que tem haver blues americano com pururuca?” Para minha surpresa, a resposta foi “num sei, uai”. Aí eu relaxei….

Naturalmente, transformei-me na interface entre Oficina e Feitiço Mineiro. Desse dia em diante, Gustavo e Jorge realizaram oito meses de temporada do Oficina Blues, sempre às sextas-feiras, no sempre lotado e alegre Feitiço Mineiro de 1991. E reconhecimento seja feito: acho que as novas gerações deveriam saber que se hoje “o pulso noturno ainda pulsa” nessa caretice que tomou conta da capital e do país, de certa forma, a explicação também está no legado dos que, desde então, resistiram a vizinhos, canos, variações na interpretação das leis, entre outas dificuldades. Só quem é do meio sabe do trabalho que dá ser boêmio.

A partir daquele sucesso, as legendárias portas do Feitiço sempre estiveram abertas para os grupos e projetos que toquei ou representei, entre os que me lembro agora: Another Blues Band, BossaFunk e Spirituals de Porco. Na década seguinte, mais precisamente em 2004 e já movimentando a GRV, nasceu a Feira da Música Independente Internacional de Brasília [ FMI]. O grande Jorge de 1991 havia expandido de um jeito que eu já não sabia mais onde encontrá-lo, diante de tantas estabelecimentos e relações bem sucedidos na cidade ou em algum canto do país.

Era preciso impressionar os  primeiros apoiadores da FMI, que vieram em agosto de 2014 para o pré-lançamento desta feira, que teria sua 1ª edição em 2005. E qual a melhor forma de receber? Procurando alguém que sabe fazê-lo. Assim, fui atrás de Jorge para propor uma permuta promocional em um de seus restaurantes, o que imediatamente foi aceito. Assim conheci Mauro Calichman, que se uniu à equipe para proporcionar aos nossos dez convidados um delicioso almoço. Advinhem onde? No bar Monumental e que hoje se chama?

Coincidências não existem, dizem. Mas o fato é que foram três edições da FMIs e, em todas elas, tivemos o suporte nutricional em regime de parceria fiel. A parceria se renovou na década seguinte, já com o Prêmio Profissionais da Música. Mais que justa e merecida, o Prêmio prestou homenagem a Jorge Ferreira em sua 1ª edição, em 2015. Infelizmente, Jorge já não estava mais entre nós…

E porque o homenageei no PPM 2015? Em 2012, estava tão desencantado com os “negócios musicais” que, como de praxe nessa entressafras, busquei a escola para me fazer refletir. Assim, fui parar em uma especialização inédita no país na FGV/RJ. O nome do curso? Gestão de projetos na área do Entretenimento. O nome o projeto que havia apresentado  para o meu trabalho final? Prêmio Profissionais da Música.

Minha turma era muito legal, mas segundo a banca analisadora, acreditem, o prêmio foi rejeitado e acabei tendo que desenvolver em grupo um outro interessante projeto escolhido. Mas firme no meu propósito em realizar o PPM algum dia, em uma reunião marcada pelo advogado da GRV no mês de maio de 2012, no bar Brasília, eis que reencontro o amigo Jorge. Naquele dia, achei-o sobrecarregado, para não dizer no caminho do provável esgotamento que 12 estabelecimentos devem provocar em qualquer ser humano. Conversa vai, conversa vem, ao falar, rapidamente, sobre a minha especialização em curso, ouço dele a pergunta: “quer fazer a gestão da programação musical das minhas casas?”. Olhei para o nosso advogado, que surpreso, olhou para mim. Tomei um gole de água e respondi “sim”. Assim, iniciei com o Brahma e Ferreira do Pier 21 o que sempre achei que deveria ser o nosso tripé: a união da diversidade com a qualidade e o compromisso com a matéria-prima música e o ouvido do público. Hoje, penso que naquele momento, entre outras coisas, Jorge me deu a oportunidade de me reinventar, proteger os músicos das gerações passadas, mixando com as novas, exercitando o erro e o acerto em busca do elixir do inesperado. Acho até que novas casas com música que surgiram se espelharam na importância de se ter alguém à frente da relação com música. Assim, um novo horizonte se abriu para muitos. Isso não tem preço, isso é viver de bem com a vida, e poucos sabiam fazer isso tão à vontade como o Jorge.

Em 2013, o grande Jersom Alvim, produtor do Feitiço Mineiro, passou por um problema de saúde e lá fui eu por seis meses o substituí-lo. Com a volta à ativa do Jersom, recebi o convite para cuidar da comunicação interna, divulgação e programação musical de todas as casas. Novamente, aceitei, entusiasmado. Mesmo diante de um gigante desafio, já me sentia tão em casa movido pelo estilo do dono de conquistar o mundo com música, gastronomia, atendimento e alegria. Isso é cultural ou uma cultura?

Em 2 de julho de 2013, a nossa alegria, precocemente, foi alegrar os céus. Cá na Terra ficamos tristes e perplexos. Após sua partida, a vida seguiu e em outubro de 2013 retornei às origens, especificamente, ao Ferreira do Pier e Bar Brahma. Naquele turbulento momento para todos, senti muito pela interrupção das demais atividades. Mas me comprometi a seguir adiante e de todas as formas possíveis. Só tenho a agradecer a esse grande cidadão que me ajudou, humanamente, como poucos na minha caminhada, sempre me proporcionando experiências fartas, alegrias imensas, com muito respeito e admiração mútuas.

Com muita dor e dificuldades pelos caminhos; prosseguimos. Sou muito grato à Denise, ao Lucas, Bebel e Léo e a todos de sua equipe com os quais aprendi muito, e continuo aprendendo todos os dias e noites à frente das criações e produções musicais do bar Brahma.

A vida segue. Amanhã começa mais um “Sextos Tributos”. Mas hoje e sempre é dia de reverenciar um dos maiores patrimônios desta cidade.

Salve Jorge!

*imediatamente, na linguagem do Jorge é assim: nem ouvia até o final, porque decidia ao sentir, intuir e assim, arriscava-se.

Viva os que sentem, pensam e fazem.

Musicalmente,

Gustavo Vasconcellos

Em tempo: Cazuza também nasceu no dia de hoje e faria 61 anos.

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